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Barro Negro

artes
©DGARTES/Lino Silva/2022

A Olaria de Barro Negro, ou Louça Preta, constitui uma tipologia de produção em olaria. Esta denominação compreende um universo de produções com especificidades distintas, integradas em realidades geográficas diversas, que resultam em artefactos muito variáveis, inclusive na cor, apresentando uma gama diversificada entre o cinza claro metalizado e o preto. A matéria-prima e o processo de produção é em tudo semelhante ao de outras produções de olaria, sendo característica diferenciadora o processo de cozedura ou queima. Esta é realizada em atmosfera redutora, o que confere às peças a suas cores finais.

Em Portugal, os centros de olaria preta estão distribuídos entre o centro e o norte interior do país, tendo sido identificados, entre o séc. XVII e o séc. XX, 53 locais de produção desta loiça. No início do séc. XX, alguns deles, nomeadamente em Molelos, têm registos de centenas de indivíduos a trabalhar nas olarias, representando uma importante atividade económica que envolvia toda a família em diferentes tarefas. Tradicionalmente, o trabalho de roda era exclusivo dos homens. As mulheres tinham a cargo a preparação do barro, o acabamento das peças e a comercialização. Para muitas famílias de oleiros, as peças não eram apenas vendidas nas feiras, mas também trocadas por farinha, vinho e azeite. Em Espanha existem também dois centros oleiros, em Quart e Verdù, na Catalunha. Em 2010, estas duas aldeias contavam com cerca de 11 oleiros a trabalhar a “ceràmica negra”.

Os centros de produção implantaram-se geralmente perto de barreiros, onde se extrai  e prepara a matéria-prima. Era comum, junto aos barreiros de extração, haver telheiros onde se preparava o barro em grande quantidade e onde os oleiros iam adquirir o material de trabalho. Em muitos outros casos, as argilas eram extraídas diretamente pelo oleiro. Em alguns centros oleiros, a recolha da argila era uma atividade comunitária, partilhando o trabalho pesado de extrair, transportar e preparar o barro.

Após a extração, o barro é preparado a partir da argila moída manualmente a seco, com auxílio de “picos de sovar” ou “maço de madeira” a que chamam “fouce”. Este trabalho é feito sobre uma laje ou pia de pedra, a que se chama “sovadoiro” ou “pio”, em função dos locais. Geralmente, o barro é uma mistura entre argilas magras ou fracas e argilas gordas ou fortes, por vezes misturado também com inertes, para atingir um bom comportamento na modelação e uma boa resistência à amplitude térmica a que é exposto durante a cozedura. A argila em pó é amassada com água, até se conseguir uma pasta, limpa de impurezas e com a consistência ideal para ser trabalhada na roda. Atualmente, a fieira mecânica facilita a preparação do barro.

A oficina era tradicionalmente instalada no piso térreo da casa. A produção de olaria era realizada quase sempre como atividade complementar à da agricultura ou de pedreiro, sendo rara a existência de oficinas com espaço próprio para a atividade. 

A roda manual tradicional, nas regiões de produção da olaria negra acima de Castro Daire, é uma estrutura baixa. É construída por carpinteiros locais em madeira e herdada de pais para filhos. É composta por uma estrutura de madeira formada por dois pratos, ligados por um veio vertical de cerca de 80 cm. O prato inferior é de maiores dimensões e denominado “campo de roda”. O superior, sobre o qual o oleiro trabalha, é denominado por “rodalho” ou “cabeça da roda” (IEFP 2019). Em Bisalhães foram introduzidos rolamentos na roda tradicional, facilitando o movimento giratório. O oleiro trabalha sentado numa tábua de madeira, ligada ao torno, o “sentalho”, ou num banco do oleiro. Noutros centros oleiros com tradição de barro negro, as rodas tradicionais eram estruturas altas, movidas com a força do pé. As rodas tradicionais têm vindo a ser substituídas por rodas elétricas, em centros oleiros como Olho Marinho e Molelos.

Nos núcleos em que a produção mantém as caraterísticas ancestrais, a maioria das ferramentas são, na maioria, adaptadas e improvisadas com materiais disponíveis no lugar. Os “gogos” são seixos rolados, apanhados nos rios para dar o acabamento, liso e com brilho, e para os motivos decorativos. Acompanham sempre o trabalho na roda o “aguaceiro” ou “caco da roda”, onde o oleiro vai molhando os dedos (IEFP 2019). Utilizam-se também paus e canas bem acabados, trapos e tubos de plástico para modelar. O acabamento da loiça é característico por ser polida com uma pedra. Isto faz-se a meio do processo de secagem, quando o barro já oferece resistência e a superfície é ainda macia para receber os efeitos do polimento e dos efeitos decorativos desenhados. A esta etapa de acabamento dá-se o nome de “gogar” ou “brunir” a loiça e, além de conferir brilho, torna a superfície menos permeável. A decoração das peças com desenho de folhas, linhas onduladas e picotados, era tradicionalmente uma tarefa das mulheres. O brunido liso era também feito pelos oleiros homens, nas peças utilitárias. 

Em Molelos, a decoração das peças é particularmente cuidada, com o auxílio de um conjunto de ferramentas, como ponteiras de madeira, rodas dentadas e as “pintadeiras”, com as quais se fazem incisões nas peças.

A secagem das peças deve ser lenta e completa, antes do processo de cozedura ou queima. Quando acabadas de fazer, as peças estão “verdes” e o processo de secagem deve acontecer num espaço interior e protegido do sol e do vento, para evitar fissuras. Na fase seguinte, pode ser colocada no exterior. Pode chegar a demorar quinze dias, variando pela dimensão das peças e das condições climatéricas do lugar, ou seja, maior ou menor grau de humidade. 

A queima das peças é o culminar do processo de transformação da argila em cerâmica e é o momento-chave para garantir quer a qualidade e longevidade da loiça, quer o seu aspeto negro, que a carateriza e distingue. A queima é feita tradicionalmente de dois modos distintos: a mais ancestral, a soenga (Bisalhães) e o forno de poço (Vilar de Nantes). A soenga e o forno podem ser individuais, mas em muitas aldeias são comunitários e o dia de soenga é realizado em conjunto. Atualmente, são utilizados fornos a lenha (Molelos) e fornos a gás (Olho Marinho e Carapinhal), mantendo-se em ambas as situações a técnica de atmosfera redutora que confere a cor negra. 

©DGARTES/Lino Silva/2022

Tradicionalmente, a produção de barro negro era maioritariamente de loiça utilitária. Têm vindo a ser utilizadas as terminologias “loiça grossa” e “loiça fina”, referindo-se a primeira a utensílios destinados à preparação e conservação de alimentos como alguidares, caçoilas, panelas, cântaros, talhas ou assadores de castanhas, aos quais é dada pouca atenção na decoração. A segunda engloba as peças de servir à mesa como terrinas, galheteiros, pratos ou jarros, em que os motivos decorativos são mais minuciosos e cuidadosos. Destacam-se destas tipologias os exemplos de figurado de José Maria Rodrigues e Joaquim Alvelos (meados do séc. XX), que reproduzem o quotidiano e o imaginário das comunidades da Serra de Montemuro. 

A loiça preta é conhecida particularmente no centro norte do país pela sua qualidade para cozinhar carne, motivo pelo qual as panelas de forno continuam a ter muita procura e a caçoila continua a ser insubstituível para cozinhar a chanfana. Outras peças que continuam a ser muito utilizadas são o alguidar torto ou pingadeira, grande e pequeno, a caçoila também com dois ou três tamanhos, o cântaro para a água, a chocolateira para fazer o café (cevada) ou a talha vinagreira (que era impermeabilizada com pez duro no dia da cozedura, dando-lhe mais resistência). A este conjunto juntavam-se a tigela, o púcaro, a bilha, o moringue, a infusa, a garrafa, a caneca, o prato, o tacho, a assadeira, o assador de castanhas e o pote para banha ou para o azeite. Porém, atualmente as peças mais produzidas são para decoração. Em Bisalhães, esta tendência tem vindo a resultar no aprimoramento e na diversidade de elementos decorativos aplicados nas peças, assim como na criação de novos modelos exclusivamente para decoração.

Observando a atividade da olaria negra a nível nacional, é claro o decréscimo de oleiros nas últimas décadas. De 53 lugares de produção identificados a norte do rio Tejo, em 2003 apenas estavam em atividade 8 centros oleiros: Vilar de Nantes (Chaves), Bisalhães (Vila Real), Santa Maria de Galegos (Barcelos), Gondar (Amarante), Fazamões (Resende), Molelos (Tondela), Miranda do Corvo (Coimbra) e Olho Marinho (Vila Nova de Poiares) (IEFP 2019). Numa tentativa de promover esta arte e chamar a atenção para a sua relevância cultural, em 2016 o processo de produção da louça preta de Bisalhães entrou para a Lista do Património Cultural Imaterial que Necessita de uma Salvaguarda Urgente da UNESCO.  Atualmente encontram-se em atividade 9 núcleos de olaria de barro negro (ver mapa do Barro Negro), em alguns casos com uma nova geração de oleiros que têm vindo a introduzir novas formas de trabalhar a arte, numa resposta natural ao seu tempo, mantendo o essencial da sua especificidade e identidade.

Bibliografia

  • ALMEIDA, Ana João. (2017). Manual de Iniciação à Cerâmica. Montemor-o-Novo: Oficinas do Convento.
  • Fernandes, Isabel Maria; Moscoso, Patrícia; Castro, Fernando. A Louça Preta de Bisalhães (Mondrões, Vila Real). Barcelos: Município Vila Real/ Município de Barcelos/ IMC, 2009.
  • IEFP – Instituto do Emprego e Formação Profissional. (2003). As Idades da Terra – formas e memórias da olaria portuguesa. Lisboa: IEFP
  • IEFP – Instituto do Emprego e Formação Profissional. (2019). Rotas da Cerâmica nas Beiras. Lisboa: IEFP
  • Museu do Douro. (2021). Mãos que fazem Bisalhães.
  • PERDIGÃO, Teresa; CALVET, Nuno. (2003). Tesouros do Artesanato Português. Volume III: Olaria e Modelação. Lisboa: Editorial Verbo.
  • Processo de confeção da Louça Preta de Bisalhães. In Matriz PCI. http://www.matrizpci.dgpc.pt/MatrizPCI.Web/InventarioNacional/DetalheFicha/410?dirPesq=3 [Consultado em 16-11-2022]
©DGARTES/Lino Silva/2022
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Argila. Ribolhos. ©DGARTES/Lino Silva/2022

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