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Latoaria

artes
©DGARTES/Vasco Célio – Stills/2022

A latoaria é um ofício com origem na era pré-industrial, consistindo na produção (e reparação) de objetos feitos a partir de chapa metálica trabalhada a frio. A arte da latoaria tem inúmeras aplicações. Do embalamento e armazenamento de víveres à pastelaria ou à luminária doméstica e urbana. Muitos dos assadores de castanhas que se avistam nas ruas durante o inverno são feitos por latoeiros, mas há outros artefactos no nosso dia-a-dia, como os regadores de plantas, as pás das vassouras ou a almotolia.

A latoaria começou a ter expressão em Portugal durante a era das Grandes Navegações, a partir do séc. XV, para produção de contentores de armazenamento de líquidos e de produtos secos nas embarcações. As peças de latoaria eram valorizadas no destino como bem de troca por produtos locais. No séc. XVI, os latoeiros ganharam muito prestígio e viram ser-lhes atribuído pelo Senado de Lisboa um regimento especial. Após uma época de estagnação no contexto da Guerra da Restauração, uma nova época de desenvolvimento da arte foi registada com a política mercantilista do Marquês de Pombal. No final do séc. XVIII, a atividade dos latoeiros voltou a ser notável a nível nacional, com maior incidência nas vilas e cidades no norte do país. A produção de latoaria é marcadamente urbana, pois é nas cidades onde se encontram as oficinas, apesar de grande parte do seu mercado estar no contexto rural. A partir da segunda metade do séc. XIX, com a introdução do alumínio, e mais tarde de outros materiais como os celulóides, os plásticos e a chapa de ferro zincada, os objectos de folha de Flandres são menos procurados, situação que se agrava ao longo do séc. XX. 

A oficina de latoaria conta com uma bancada de trabalho, onde se planifica, desenha, recorta e dobra, onde se instalam os equipamentos como a fiadeira e o furador. Presença obrigatória é também uma bigorna instalada num tronco de madeira e por vezes um barrote ao lado, com concavidades de diferentes dimensões para moldar as superfícies curvas. 

O trabalho do latoeiro começa com a planificação das formas de todos os elementos que compõem um objeto. Estes são desenhados na chapa com um riscador, recorrendo a um molde, que permite a repetição exata da forma, ou com o auxílio de régua e compasso de bicos. A etapa seguinte é o recorte destes elementos com a tesoura. Depois, sobre a bigorna, e com o auxílio de um maço de madeira e do martelo, as peças planificadas vão ganhando volume, através de vincos, dobras e curvaturas, num processo de modelação que lhes imprime as formas finais. Os diferentes elementos vão sendo encaixados e unidos com solda da liga de chumbo e estanho. Nas peças de maior dimensão, para usos que exigem mais resistência, a união não é apenas soldada por sobreposição das chapas – é executada com uma bainha feita em ambas as extremidades a unir, que se encaixam e são bem marteladas. Após esta primeira fixação é aplicada a solda de estanho. Para boa adesão da solda utiliza-se resina triturada ou ácido clorídrico. No fim da soldadura removem-se os resíduos de solda à chapa com a raspadeira. É frequente encontrarem-se peças de latoaria pintadas, seja para decoração das mesmas, seja para proteção do material (EPV/ CEEV, 1982).

As ferramentas do latoeiro são: alicates, bigornas, compassos de bico, ferro de soldar, fieiras, limas, maços de madeira, martelos e moldes, geralmente de madeira ou chapa metálica. Nas oficinas podem existir ainda máquinas de roletes para o corte e dobragem da chapa, e alguns artífices usam a sua criatividade para criar ferramentas próprias.

Os objetos de latoaria respondiam às necessidades da vida doméstica, com extensa utilização na cozinha, na higiene, na iluminação, no armazenamento, mas também nas atividades agrárias e em alguns ofícios. Pode identificar-se uma longa lista de utensílios de cozinha como fervedor, coador, púcaro e bule, cântaro, canado, marmita, funil para vinho, fios de ovos ou para os enchidos, assador de castanhas, formas de bolos, cântaro para água ou leite, bilha ou talha para o armazenamento do azeite, almotolias, pás, bacias, jarros. Ainda em casa, encontravam-se latas com tampa, lanternas, castiçais, candeias, lamparinas, regadores e alguidares. Para a iluminação existe uma variedade de objetos com formatos adaptados a diferentes situações e combustíveis, desde o simples castiçal de velas, a candeias com depósito para azeite e posteriormente petróleo, com refletor para aumentar a luminosidade, que podem ser de pousar ou para pendurar. Os lampiões têm uma caixa fechada com vidros e chaminé, que permitem o transporte enquanto acesos e a utilização no exterior.

As peças de latoaria tiveram ainda outras utilizações, fora da esfera do doméstico e do trabalho,  como por exemplo, os “canudos” onde eram entregues e guardados os diplomas de formação na universidade (séc. XIX e XX) (EPVC/ CEEV,1983).

©DGARTES/Vasco Célio – Stills/2022

Em contexto rural, encontramos ainda os objetos de latoaria como unidades de medida para líquidos ou cereais, como almudes, caldeiros e baldes. No ofício das queijeiras continua a ser recorrente o uso de cinchos e ferradas, da mugideira, do coador, da medida, e da bilha com tampa. Uma das características da arte da latoaria é a extrema funcionalidade dos utensílios e versatilidade da sua produção, com pormenores de desenho e execução criados para corresponder a necessidades por vezes muito específicas. Referimos os desenhos das tampas, com dobradiça e fechos ou encaixes muito justos e o desenho com a localização das pegas, que se adequam perfeitamente aos diferentes modos de manusear o objeto em função da utilização. Os modelos que hoje se fabricam não diferem muito na forma e na função das realizadas pelas gerações anteriores.

A latoaria é uma arte que tem hoje um número reduzido de artesãos ativos, com uma média de idades muito elevada. Apesar de muitos dos utensílios realizados em tempos pelos latoeiros terem caído em desuso, outros mantêm a sua atualidade, nomeadamente os que são utilizados na produção de queijo; e outros ligados à casa, como o funil, a pá, ou o regador. As candeias e lamparinas continuam a ser vendidas mas como objetos decorativos.

Bibliografia

  • D’EÇA, Maria Natália Almeida (1988). Roteiro Artesão Português, Vol. 2: Trás-os-Montes e Alto Douro. Porto: Edição do autor.
  • D’EÇA, Maria Natália Almeida (1992). Roteiro Artesão Português, Vol. 4: Beira Alta – Trás-os-Montes e Alto Douro. Porto: Edição de autor.
  • Escola Preparatória de Barcelos/ Centro de Estágio de Educação Visual (1979). Artes e Tradições de Barcelos. Lisboa: Terra Livre.
  • Escolas Preparatórias de Évora e Portalegre/ Centro de Estágio de Educação Visual (1980). Artes e Tradições de Évora e Portalegre. Lisboa: Terra Livre.
  • Escola Preparatória de Viseu/ Centro de Estágio de Educação Visual (1982). Artes e Tradições de Viseu. Direção-Geral da Divulgação: Lisboa.
  • Direção-Geral da Divulgação (1983). Artes e Tradições de Viana do Castelo. Lisboa: Terra Livre/ Direção-Geral da Divulgação.
  •  IEFP et al. (1992).  Artesanato da Região Centro. Coimbra: , IEFP – Instituto do Emprego e Formação Profissional / Delegação Regional do Centro.
  • IEFP – Instituto do Emprego e Formação Profissional (2004). À Volta da Mesa: Os Alquimistas do Prazer. Lisboa: IEFP.
  • IEFP – Instituto do Emprego e Formação Profissional (2011). Artes da Casa. Ambientes singulares. Lisboa: IEFP.
  • NUNES, Mário. «Trabalhos em Metal». In IEFP et al. (1992).  Artesanato da Região Centro. Coimbra: IEFP – Instituto do Emprego e Formação Profissional / Delegação Regional do Centro.
  • SOEIRO, Teresa. (2015). A latoaria em Cabeceiras de Basto. Cabeceiras de Basto: Município de Cabeceiras de Basto.
©DGARTES/Lino Silva/2022
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